Akasha


AKASHA LINCOURT

Paulista, 25 anos
Faz de tudo um pouco
Apaixonada por filmes, gatos, livros, músicas e fotografia.
Viagens além de paixão, é um vicio.
Uma estrela de cinema que tem a solidão como profissao.
Extremamente vaidosa, da mesma forma que é extremamente bipolar.
Tem mania de escrever certas confissões em terceira pessoa.
Não come peixe.
Se pudesse colocaria silicone.
Tem medo da morte e acha que vai morrer cedo.
Trabalha com moda desde sempre.
Criativa, ganha a vida com esse dom..
Tem medo de aglomerações de pessoas.
Não acredita que nasceu pro amor.
Fala o que pensa, escreve o que sente.



"Esconda-me de mim. Encha estes buracos com olhos, pois os meus não são meus. Esconda-me, corpo e mente, pois não presto! Tão morta na vida por tanto tempo..."



Até aquela noite, aquela noite horrível, ela costumava fazer uma piadinha a respeito de si própria: não sabia quem era, ou de onde viera, mas sabia do que gostava. E estava rodeada do que gostava, as bancas de flores nas esquinas, as árvores, as estrelas brilhando tão belas lá em cima no céu. E as coisas compradas, de plástico e metal brilhante: brinquedos, computadores, cd's, qualquer coisa. Gostava de entendê-las, dominá-las, depois esmaga-las em bolinhas rígidas, coloridas, com as quais brincava ou jogava nas vidraças quando não havia alguém por perto. Gostava de música de piano, de violino, dos filmes, e dos poemas que encontrava nos livros. Ah, os livros!! Como amava os livros! Companhias inseparáveis.
Gostava também dos automóveis, que queimavam óleo da terra, como lamparinas. E dos grandes jatos que voavam pelos mesmos princípios científicos, acima das nuvens.  Quais seriam seus anseios?! Qual era o seu destino?!
Gostava também da televisão, a intimidade de tantos rostos engenhosamente maquilados na tela cintilante falando com ela com tanta simpatia!
Gostava de Rock and Roll também. Gostava de qualquer música Não prestava muita atenção nas letras. Gostava da melancolia, do sombrio fundo de tambores e címbalos. Dava-lhe vontade de dançar.
Gostava dos ônibus da cidade, gostava de observar as pessoas passando apressadas sem ao menos notarem sua presença.
Gostava das bibliotecas, onde encontrava fotos de monumentos antigos nos livros grandes, de cheiro bom. Tirava cópias dessas fotos e de vez em quando conseguia colocar nessas fotografias imagens que vinham de seus pensamentos.
Estava sempre cercada de coisas de que gostava, a música de violino de Bartók, os seus livros que a levavam a qualquer lugar que desejasse. Gostava de caminhar à noite e ver, em súbitos lampejos de lembranças desconexas, a cidade dos antigos.
Ah, as pessoas! Gostava delas também. Por toda parte centenas delas. Rostos desconhecidos, sim, mas sentia que poderia compreendê-los! E ali, no meio da multidão, ela sentia-se tão pequena! Tão só.

Gostava da dor, da tristeza. Isso era óbvio. Mas isso não fazia parte da piada. Não achava a morte engraçada.
Não achava correto conversar com aqueles seres delicados, de olhar suave, e depois ver-lhes morrer. Não achava correto amar-lhes e depois os perder para sempre.

A morte lhe causava medo e fascínio. Tão cruel e implacável!

Ela sabia que um dia, cedo ou tarde, veria tudo o que amara ir-se embora. Sabia que era esse o destino de todos os que amava. Esse era seu próprio destino! E isso era tudo. Não podia lutar contra os fatos. Não podia mudar o rumo das coisas. Talvez tenha sido por medo que tenha preferido morrer em vida. Sem vida, sem amor...sem perda. E assim continuava seu caminho, sem amar e sem se permitir ser amada.
Gostava de observar as pessoas, mas não deixava que se aproximassem. "Sem amor...sem perda." - ela pensava.
Afastou-se tanto da vida que podia-se dizer ser ela algo sobrenatural. Afastou-se e entregou-se ao esquecimeto.
E assim, mantinha perto de si apenas as coisas que a morte não poderia tirar-lhe, tudo o que pudesse mantê-la o mais próximo possível daquela tênue linha que separa a sanidade da loucura, o ódio do amor, a vida da morte. Mantinha-se perto de tudo que pudesse mantê-la nessa dimensão, mas nunca, por mais que desejasse, nunca aproximava-se daqueles seres tão delicados.

Agora possuía uma compreensão sobrenatural dessas coisas. Isso era verdade. Os humanos não conseguiam olhar para uma máquina e entender seus princípios como ela entendia. E a maneira como tudo lhe era "familiar", isso também tinha a ver com sua existência sobre-humana. Ora, não existia nada que podia realmente surpreendê-la. Nem a física quântica, as teorias da evolução, a pintura de Picasso ou o processo pelo qual inoculam-se germes nas crianças para protegê-las da doença. Era como se ela tivesse consciência dessas coisas muito antes de se lembrar. Muito antes de poder dizer: "Penso, logo existo."
Mas tirando isso tudo, ela ainda tinha uma perspectiva humana. Isso ninguém podia negar. Conseguia sentir dor humana com uma perfeição misteriosa e assustadora. Sabia o que era amar, e sentir solidão - ah, sim, isso ela conhecia mais que todas as coisas, e sentia-a mais intensamente quando escutava canções. Por isso não prestava atenção às palavras.
Porém, uma dúvida a atormentava. Por que essa sensação sobre-humana? Entregar-se à morte ainda em vida causava isso? Estaria ela morta realmente? Não se recordava como era ser viva, ser humana. No entanto tinha certeza absoluta de que já tinha sido um ser humano! Caminhar ao sol no calor do dia, sim, já fizera isso! Mas por que permanecia na escuridão? Por que?



"Sem vida, sem amor...sem perda."



Recordou suas palavras. E então, num momentâneo choque de compreensão, ela soube o que tinha feito. Entregara-se ao medo! Entregara-se ao medo do ter e logo do perder.
Morte em vida. Sim. Era isso.
Despercebida, deixou-s cair numa cadeira na penumbra e permitiu que as lágrimas corressem. Chorou como uma tola, a testa de encontro ao braço.
Não lhe veio a loucura; nem o esquecimento. Vagou pelos anos, revisitando os locais que conhecera em terna e descuidada intimidade. Chorou por todos aqueles a quem conhecera e amara antes de entregar-se ao medo. Antes de morrer em vida.

Então alguma coisa mudara; algo tornava esse momento ímpar. Ela erguera-se de seu longo sono! O passado e o presente tornaram-se uma coisa só.